26 de agosto de 2017

A morte


Era o último dia dela. Embora sempre tenha ouvido pessoas a sua volta preocupadas com o que fariam se hoje fosse seu último dia, para ela era um dia especial: o dia em que poderia finalmente partir.

Não se sentia completamente feliz com isso, mas pela primeira vez que podia se lembrar naquela vida medíocre, estava em paz, pois já estava morta por dentro.

Não fez nada diferente do habitual e agiu normalmente, indo e vindo da capital e se despedindo de tudo o que podia. Era difícil dizer se sentiria saudade, mas se tinha uma coisa certa era a de que ela jamais iria querer voltar.

Ela já havia feito uma carta de despedida meses antes, mas julgou como certo não publicá-la antes de ir de fato. O melhor era deixar programado. Encarou a garrafa com a bebida preparada durante uma hora. Tinha medo de que fosse dar errado. Para fazer o que iria fazer, era algo que requeria muita coragem.

Quando enfim chegou a hora, ela bebeu. Quase não aguentou todo aquele álcool, já que nunca havia bebido. Demorou alguns minutos até pegar no sono. Mais um pouco ainda para a mistura começar a fazer efeito, e assim partir. Sua vida se esvaía. Estava um pouco apreensiva, fruto de anos de doutrinação religiosa que tratava a morte com terror, algo tão natural.

Passou tanto tempo desejando morrer, que quando finalmente pôde ir, se tornou a morte em pessoa, assumindo a forma que sempre quis em vida e que sempre soube que nunca teria.

Se admirou durante um longo tempo vendo seu próprio reflexo no espelho de um lago calmo. Era incerto dizer onde realmente estava, pois a neblina densa cobria tudo até onde a vista alcançava.

Uma mulher de cabelos grisalhos com um vestido longo e branco, se aproximou. Era a imagem da deusa. A vida e a morte lado a lado. Nenhuma palavra foi dita, mas sabia o que significava.

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