27 de janeiro de 2017

A esperança que é vista como medo

The death of the Rose - enchanting-ce-memory.deviantart.com
Eu costumava ter medo dela. Me ensinaram a ter. Me ensinaram a amar algo que não há motivos para amar, apenas odiar. Quando eu a abracei e a aceitei a vi como uma esperança em meio a tantos chutes e pontapés que levei daquilo que disseram que eu deveria amar e agradecer. Mas por que eu deveria ser grata por algo que me pôs no fundo do poço?

O peito dói e as memórias me sufocam. Por que ter que passar por isso tudo? É algum tipo de punição por algo errado feito em outra vida? Não consigo pensar em outra explicação para tanto. Não bastou apenas nascer incompatível com o corpo, pancada após pancada eu percebi que esse amor que falavam que eu deveria ter a respeito da vida é ilógico e irracional. Esse medo que sentem da morte é o medo do desconhecido, é o conjunto de milhares de crenças criadas por quem criou em suas fantasias um lugar de punição após a morte para oferecer uma salvação em troca de obediência. Quando finalmente aprendi que não deveria temer a morte, percebi que é algo natural que irá acontecer a todos. O medo pelo desconhecido se foi quando deixei de negar que não tenho nada a perder. O que poderia ter mais? No último filme do Indiana Jones há uma frase marcante onde ele fala: "chega uma idade em que a vida para de nos dar e começa a nos tirar". No meu caso essa idade foi extremamente precoce, talvez sequer tenha existido em face a anomalia corporal presente desde antes do nascimento. O erro.

O erro me impediu de ser, me fez passar uma vida aprisionada no meu próprio corpo, me fez passar o tempo assistindo o mundo por uma janela, sendo permitido apenas imaginar e fantasiar tudo aquilo que queria ter ou ser, mas que jamais, nunca poderia se concretizar, coisas simples que todos a minha volta tinham ou eram. Enquanto todos tinham o direito de formar um futuro e se tornar alguém, o meu único direito era o de ficar reclusa no meu mundo da fantasia. Enquanto todos tinham o direito de poder chamar os amigos para curtir um fim de semana e assistir aquele filme que havia lançado no cinema, o meu único direito era o de gastar tudo o que tinha com medicamentos porque o meu corpo sequer era capaz de fazer funcionar, e além de não fazer, faz o contrário, sem falar que o direito de fazer amigos era para quem vivia fora da janela, o meu direito nesse sentido era o de ter que aguentar em silêncio todo o sofrimento causado pelos populares valentões que queriam se mostrar homens para as garotas, enquanto eu era apenas a pessoa estranha e esquisita que ficava sozinha na mesa desenhando mapas. Por que alguém iria querer conversar com um ser daqueles?

A infância e a adolescência deveriam ser os períodos onde a pessoa consegue construir estruturas para formar um futuro e ser alguém, mas para quem está dentro da janela, isso é só uma fantasia que nunca irá se realizar, pois o estrago já foi feito. Mesmo um simples emprego é negado. É perceptível no rosto dos entrevistadores a necessidade de perguntar o porque de não ter mais experiência ou uma formação além da escola com essa idade. Em muitos é visível o olhar de reprovação no primeiro encontro. Para eles eu não sou mulher, mas respeitam como tal por medo de processo.

Se há algum agradecimento a fazer para essa vida, é uma ironia. Muito obrigada por ter me feito sentir ódio de ter que acordar dia após dia e viver sempre a mesma dor, de só ter o direito de chorar e desejar profundamente que a morte apareça. Vida, eu te odeio.

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