28 de março de 2018

Fantasma


Meu nome é Helena e eu tive uma noite incrível. Já amanheceu, mas estou indecisa a respeito do que fazer. Se eu escolher ser feliz, posso decepcionar aqueles que amo. Se escolher estar ao lado deles, bem... Independente do que eu decidir, algo vai ser sacrificado.

Estou sentada em cima da cômoda, de frente para a cama onde agora se encontra meu corpo, adormecido. As pessoas chamam isso de projeção corporal, mas eu digo que é algo como um alívio. Uma pausa necessária. Foi bom estar livre de problemas. Pela primeira vez em anos eu pude sair por conta própria.

A luz do sol agora entra pela janela do meu lado direito, passando pelas cortinas mal fechadas. No mármore branco uma formiga anda. Tenho que me decidir, mas ainda não sei.

Quando me levantei, logo assim que adormeci, a primeira coisa que me veio a mente foi conhecer os lugares que gostaria. Comecei por São Francisco. Ainda era final de tarde quando cheguei. O primeiro impacto foi bom, mas ser um fantasma no meio do povo foi estranho. No meio de uma mesa de amigos, eu apareci, subindo pelo meio, por baixo. Era como se eu não estivesse ali. Bem, de certa forma não estava.

Pelas ruas eu andei, sem ter quem me olhasse com pena ou com raiva. Mesmo que eu não estivesse lá fisicamente, pude sentir a brisa do mar, algo que não sabia o que era há muitos anos. Pude ouvir com atenção todos os sons e ver com detalhes as coisas que passam imperceptíveis por nós diariamente.

Parei e sentei no chão diante de uma musicista que tocava seu violino. Sempre quis aprender a tocar algum instrumento, mas nunca pude e muito menos tive alguém para ensinar. Ouvir aquela melodia doce me fez chorar e depois rir.

Ao fim me levantei em paz, sem ser capaz de sentir qualquer tipo de preocupação. Era como se nada ruim pudesse me afetar, mas eu sabia que embora a beleza daquela cidade fosse ofuscante, os problemas estavam escondidos debaixo do tapete. Também pude senti-lo, era impossível ignorar.

Então percebi que podia sentir também as emoções das pessoas e inclusive saber como guiá-las, porém sem poder. Doeu um pouco, mas eu devia ser um pouco menos empática, pelo menos naquele momento de uma rara liberdade que eu pude estar. Passei tempo demais me preocupando com os outros sem que isso fosse recíproco. Preferi tentar não deixar aquilo estragar minha noite e segui em frente.

Haviam tantos lugares a conhecer, mas eu estava sem saber onde ir. São Francisco sempre vinha primeiro à minha mente. Talvez eu devesse ir a Nova York ou a Londres. Passar pela Floresta Negra, na Alemanha, ou conhecer as belíssimas paisagens chinesas. Até mesmo passar pela Cordilheira dos Andes seria como um passeio magnífico.

Pensei tanto, que quando percebi, já estava andando em alguma cidade japonesa. O resto do Brasil nunca me interessou tanto. Nunca me senti bem aqui, como se fosse um lar. Talvez fosse pelas coisas que passei. E isso me traz de volta ao quarto onde agora me encontro, na exata hora em que eu costumo levantar.

Antes de dormir, eu tentei ir embora dessa vida, mas não saiu como eu esperava. Não foi o suficiente. Ainda estou viva, embora fora do corpo com uma chance de escolha, que independente de qual seja, vai doer, mas creio que a intensidade da dor irá depender de como vou me sentir diante do que escolhi.

Muitos diriam que eu deveria ficar, mas estou esgotada. Passei anos desejando que algo assim acontecesse. Acho que o mais sensato seria deixar essa vida para trás, pois ela só me trouxe amargura e dor. A maioria das pessoas que desaprovam minha escolha não sabem o que é passar pelas coisas que passei.

Agora me levanto pela última vez, para não mais voltar. Por muito tempo clamei por liberdade e agora não irei desperdiçá-la.

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