15 de maio de 2018

Odeio ser brasileira


Odeio ser brasileira. Odeio a cultura, o carnaval, o folclore e detesto a música (com exceção da Pitty).

A vida inteira eu morei em uma das cidades mais desestruturadas da Baixada Fluminense, se não for a mais, e mesmo fazendo parte da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a sensação é a de morar um lugar completamente abandonado, sem lazer, empregos ou segurança.

Há 12 anos, quando eu tinha a mesma idade citada, eu podia andar tranquilamente de bicicleta. Na rua onde minha avó morava, há aproximadamente uns dois quilômetros de extensão onde a paisagem se resume a pastagens e plantações até onde a vista alcança. Qualquer criança/adolescente na mesma idade, independente de gênero/sexo, tinha o mesmo direito de andar em segurança.

Isso acabou depois daquele teatro no Complexo do Alemão, em 2010, quando a Marinha e o Governo do Estado empurraram o tráfico de drogas para o interior do estado após uma ocupação sem qualquer planejamento, tornando o Rio de Janeiro um dos mais violentos do país.

Semana passada, uma pessoa próxima testemunhou a execução de alguém conhecido feita pelo tráfico. Hoje ela está na casa de outros porque teme voltar para sua própria residência. O trauma de ver pela primeira vez um assassinato.

Ano passado, quando eu trabalhei em um bairro no município do Rio, eu saía de casa de madrugada e sempre ficava com sono acumulado, que recuperava dentro do ônibus. Um certo dia, eu estava dormindo dentro do coletivo quando um bandido anunciou o assalto e eu acordei com uma arma apontada pra mim.

Inúmeras vezes eu soube de roubos aqui na região onde os assaltantes levaram até mesmo as marmitas de quem estava indo trabalhar.

O problema da violência existe por causa de um sistema público de educação ruim que não garante as mesmas oportunidades para todos. O governo é cúmplice.

Graças ao governo do PT, hoje é impossível conseguir um emprego sem estar pelo menos cursando o superior, e você dificilmente consegue entrar numa pública só com o ensino básico das escolas públicas, pois existe a barreira do ENEM, uma cópia mal feita do vestibular americano, que tem como objetivo garantir que apenas estudantes de escolas particulares sejam aprovados.

Pior ainda na busca de um emprego é quando você mora numa cidade desestruturada, assim como eu, onde só se consegue emprego se você morar em um lugar onde não precise pagar passagem e ainda tem que ter vários anos de experiência, o que é ridiculamente desnecessário, pois na maior parte das lojas daqui onde eu entro, os vendedores fingem que eu não estou lá e ainda me olham de cara feia, como se eu estivesse espantando a freguesia.

Em duas das três últimas entrevistas de emprego que tive, me avaliaram pelo que eu sou, pela minha aparência, estando isso bem claro na última delas, para atendente de farmácia. A maior parte das empresas brasileiras excluem candidatos da mesma forma, colocando como padrão ideal a pessoa branca, magra, com cabelo liso, de preferência com olhos claros e baixa, se for mulher.

Como pessoa trans, a esperança de conseguir um emprego formal de carteira assinada no Brasil é quase nula. Segundo relatório feito pelo Governo Federal, cerca de 90% das pessoas trans no país precisaram se prostituir em algum momento da vida para ter uma renda. Quando você fala que é trans, a única coisa que as pessoas te atribuem é a prostituição.

Sinceramente, eu estou de saco cheio dessa merda de país. Queria muito ter uma chance de poder sair daqui e ir morar em um lugar mais civilizado, onde eu seja respeitada enquanto ser humano, onde eu não seja avaliada pela minha aparência numa entrevista de emprego, onde eu não tenha apenas subempregos como fonte de renda possível, pois a única outra coisa imposta como ideal para mim é a maldita prostituição.

O pior é que a tendência é de só piorar, graças ao crescimento da influência da igreja evangélica, que enxerga que pessoas como eu são um risco para a civilização, a mesma entidade que ignora que todos os dias pastores evangélicos são presos por pedofilia após abusar de mais de uma criança. A mesma entidade que ignora que 40% das mulheres vítimas de violência doméstica no país são de famílias evangélicas.

E quem vive a "síndrome de vira-lata" é você, que se recusa a enxergar os problemas do país e fala mal de quem se sente mal por morar aqui e que sairia na primeira oportunidade.

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