7 de outubro de 2018

A saída é pelo aeroporto (internacional)


Acho que nunca antes tive dificuldade para me expressar através de textos como agora. Mesmo que a dor e a raiva sejam meus melhores motivos para escrever, dessa vez enfrento a mesma incerteza de tempos atrás, quando tive bloqueio criativo para continuar escrevendo as histórias que passava um bom tempo desenvolvendo, como A Leoa do Labirinto, a única que consegui terminar.

Acho que sempre deixei claro o meu desprezo pelo Brasil, principalmente por ser parte da minoria mais marginalizada no país mais preconceituoso do mundo. Por mais que eu tenha lutado para conquistar minha identidade, sinto como se estivesse andando em círculos. Quando iniciei a transição, achei que seria aceita, achei que as pessoas que diziam me apoiar não dariam as costas. Pensei que teria apoio dos meus pais, mas eles só me desprezam. Pensei que não teria problemas em encontrar emprego, mas já estou há mais de três anos desempregada. Na minha última entrevista de emprego, o entrevistador, religioso, inclusive chegou a soltar uma indireta dizendo que na visão dele "mulher alta é travesti".

O Brasil é o país onde mais se mata pessoas trans no mundo, segundo dados de mais de três ONGs diferentes, mais até mesmo que o dobro do segundo lugar, o México. O governo finge que nada acontece. Chegaram a fazer um estudo sobre a vida da população trans, onde foi constatado que pelo menos 90% dessa população precisou se prostituir em algum momento na vida, mas nada além disso.

Um determinado governo populista anterior chegou até mesmo a fazer de tudo para impedir que tivéssemos acesso ao tratamento hormonal e cirurgias pelo SUS e foi necessário o MPF processar o Governo Federal para que tivéssemos esse direito hoje. Para termos o direito a identidade, foi necessário uma pessoa trans que teve seu pedido negado em todas as instâncias entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade na suprema corte, direito esse que pode ser derrubado por juízes conservadores no futuro.

Mas ao "cidadão de bem" tudo isso não passa de "vitimismo". Eu deveria me surpreender com a falta de empatia das pessoas, mas não consigo. O que eu compreendo, porém, é que religião não molda caráter. Percebi isso durante todos esses anos em que minha mãe se tornou membra da igreja evangélica. Depois de quase uma década, ela se tornou uma mãe narcisista porque eu não segui todas as suas expectativas, sendo a maior delas não fazer parte da mesma seita e isso dói. Além dela, o Brasil possui uma sociedade majoritariamente cristã, mas que não aprendeu a amar o próximo, muito pelo contrário, é bem comum ver pessoas que dizem falar de amor pregar o ódio, desejando a morte do próximo.

Infelizmente a sociedade brasileira foi moldada a se preocupar demais com as aparências, querer ser melhor que todo mundo, ostentar e tratar como lixo aqueles que são diferentes. Isso é uma herança de três séculos de escravidão. Somado a isso, tivemos duas décadas de ditadura militar, o que parece ter removido a consciência política das pessoas e fazer com que deixassem de se importar com o assunto.

Muitos vivem reclamando da corrupção, mas se você perguntar em quem votaram nas últimas eleições, a maioria não se lembra, por ter votado em qualquer um, ou anulou/deixou de comparecer, crendo que seria um meio de protestar. A falta de estímulo ao pensamento crítico durante a ditadura criou uma população facilmente manipulável. Vejo discussões no Facebook e Twitter e percebo que muitos ignoram fatos concretos e com provas para acreditar naquilo que é mais confortável, mesmo que seja algo falso ou que cause graves riscos aos direitos humanos, um tema que muitos sequer sabem o que significa.

Tenho um vizinho que nasceu com distrofia muscular, uma doença que impediu que os músculos do corpo dele se desenvolvessem adequadamente e o condicionou a usar cadeira de rodas desde criança pelo resto da vida. Hoje ele tem cerca de 14 anos e depende de uma van cedida pelo município onde eu moro para ir e vir da escola. Semana passada, quando o motorista estava posicionando o elevador do veículo, disse para a mãe do garoto que ela deveria votar nesse candidato cujo nome não deve ser mencionado, pois os outros iriam legalizar as drogas e iriam pautar a "ideologia de gênero" nas escolas, além de "incentivar o homossexualismo" nas crianças. Ele dizia "se preocupar" com o futuro das crianças.

Ontem, véspera de eleição, passou uma carreata aqui em frente de casa a favor deste candidato e do filho dele. Nunca antes eu havia sentido tanto medo quanto naquele momento. Como li numa publicação que compartilharam no Facebook: "Para a maioria das pessoas, hoje é uma eleição. Pra minoria LGBT, é um plebiscito sobre se elas devem ou não continuar vivas".

Desde que comecei a transição hormonal e assumi minha identidade, tive um período depressivo fortíssimo, que me fazia desejar morrer o tempo todo. Passei por esse período sozinha e quase sem apoio, mas melhorei. Em vista de como eu estava, diria que até ontem eu estava bem. Mas agora não sei, pois me sinto mal, sinto medo.

Diversos eleitores desse sujeito postaram fotos com armas durante a votação. Cansei de ver no Twitter e no grupo Mulheres Contra B. no Facebook homens reunidos e gritando que o presidente que queriam iria "matar viado". Semana passada inclusive saiu uma notícia de uma mulher trans eleitora de Ciro Gomes que havia assumido o #elenao e foi espancada por isso.

A ansiedade que eu sentia agora só vai piorar, pois poderá ser eu a próxima vítima da barbárie que começará no Brasil até o final do mês. Só o que resta agora é buscar refúgio em um país que respeite os direitos humanos e os direitos das pessoas trans, pois com o resultado dessas eleições, o Brasil se tornará as novas Filipinas.

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